Poucos animais têm uma presença tão constante e simbólica nas Escrituras Hebraicas quanto o cordeiro. À primeira vista, ele pode parecer apenas um animal simples, conhecido por sua docilidade e pela lã macia. Mas sua importância vai muito além da aparência. O cordeiro ocupa um lugar central na história, na espiritualidade e nos rituais do antigo Israel.
Desde os tempos pastorais até os rituais do Templo, ele esteve profundamente ligado à vida do povo hebreu. Neste artigo, vamos explorar suas características, seu papel econômico e espiritual e as múltiplas formas como aparece na Bíblia Hebraica.
A Vida Pastoril e o Valor do Cordeiro

Um animal essencial à subsistência
O cordeiro — filhote da ovelha — era vital para a sociedade agropastoril de Israel. Seu valor não era apenas religioso, mas também econômico e prático.
- Lã: Fonte principal de vestimenta e proteção contra o clima árido e frio das noites do deserto.
- Carne e leite: Base alimentar, especialmente em uma dieta limitada em proteína animal.
- Reprodução: O ciclo reprodutivo das ovelhas assegurava a continuidade dos rebanhos, sendo fundamental para o sustento das famílias.

Comportamento e manejo
Os cordeiros são animais sociais, dóceis e dependentes, seguindo naturalmente seus pastores. Essa característica favorecia o manejo de grandes rebanhos, algo comum entre patriarcas como Abraão, Isaque e Jacó.
“Tornou-se Abraão muito rico em gado, em prata e em ouro.” (Gênesis 13:2)
Status Social e Cultural
No antigo Israel, a criação de ovelhas não era apenas uma atividade econômica — era sinal de bênção e prosperidade.
- Patrimônio: Grandes rebanhos eram símbolo de status. Homens como Jacó prosperaram pela multiplicação de seus animais (Gênesis 30:43).
- Cuidado e vigilância: A figura do pastor era valorizada e exigia dedicação contínua. A imagem do pastor que guia, protege e cuida tornou-se uma metáfora poderosa da relação entre Deus e Seu povo.
“O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.” (Salmo 23:1)
O Cordeiro no Sistema de Sacrifícios
A oferta aceitável a Deus

A primeira referência a um cordeiro como oferta aparece em Gênesis 4:4, quando Abel oferece o melhor do seu rebanho ao Senhor, e sua oferta é aceita. Desde então, o cordeiro passou a representar uma forma legítima e agradável de se aproximar de Deus.
Outro exemplo marcante ocorre quando Abraão, em obediência, quase sacrifica seu filho Isaque, mas Deus providencia um carneiro como substituto (Gênesis 22:13), reforçando a ideia do cordeiro como provisão divina.
O cordeiro na Lei de Moisés

No sistema sacrificial instituído no Tabernáculo, o cordeiro era uma oferta comum e altamente simbólica.
- Pureza exigida: O cordeiro precisava ser “sem defeito” — um reflexo da santidade que Deus exige.
- Tipos de ofertas:
- Holocausto (Levítico 1): Entrega total a Deus
- Oferta pelo pecado (Levítico 4-5): Expiação de falhas
- Oferta pacífica (Levítico 3): Ações de graças
- Sacrifícios diários (Êxodo 29:38-42): Dois cordeiros eram oferecidos diariamente, mantendo o povo em comunhão contínua com Deus
O Cordeiro da Páscoa: Salvação e Libertação
O ponto alto da simbologia do cordeiro no Antigo Testamento ocorre na instituição da Páscoa (Êxodo 12).
O cordeiro pascal
Diante da última praga no Egito — a morte dos primogênitos — Deus instrui os israelitas a sacrificarem um cordeiro por família. O sangue do animal deveria ser passado nas portas das casas, sinalizando que ali havia obediência e fé.

- Características do cordeiro: Macho, de um ano e sem defeito (Êxodo 12:5)
- O sangue como sinal: Garantia de proteção divina (Êxodo 12:7)
- A refeição: Comido com pães sem fermento e ervas amargas, em prontidão para a libertação

“O sangue vos será por sinal… e vendo o sangue, passarei por cima de vós.” (Êxodo 12:13)
Celebração perpétua
A Páscoa foi instituída como memorial anual. Por meio dela, as gerações futuras lembrariam o poder de Deus e Sua fidelidade em libertar. O cordeiro, assim, tornou-se símbolo de redenção, sacrifício e aliança.
Simbolismo Poético e Profético
O cordeiro aparece também como metáfora em livros poéticos e proféticos:

- Inocência e mansidão:
“Eu, porém, como cordeiro manso que é levado ao matadouro…” (Jeremias 11:19) - Cuidado divino:
“Como pastor, apascentará o seu rebanho… carregará os cordeirinhos no colo.” (Isaías 40:11) - Vulnerabilidade do povo:
Em diversas passagens, os cordeiros simbolizam os fracos e dependentes, enfatizando a compaixão de Deus pelos mais frágeis. - Adoração transformada:
“Ofereçamos os frutos dos nossos lábios como novilhos.” (Oseias 14:2) — Aqui, o louvor substitui o sacrifício físico, sem perder o peso simbólico.

Conclusão: Um Símbolo Profundo e Atemporal
O cordeiro não era apenas mais um animal nos tempos bíblicos. Ele sustentava famílias, representava pureza, servia como oferta de expiação e se tornava sinal de proteção divina. Era alimento, vestimenta e símbolo espiritual.
Seja como parte do rebanho de um pastor ou como sacrifício durante a Páscoa, sua presença revelava a relação do povo com Deus — marcada por dependência, cuidado e redenção.
O simbolismo do cordeiro, portanto, transcende sua simplicidade e continua a ecoar como um dos mais profundos símbolos de fé nas Escrituras Hebraicas.
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